Ao longo da atuação como consultores em incentivos de longo prazo na Pris, observamos que algumas conversas apresentam um ponto de inflexão claro, geralmente quando o termo Black-Scholes é mencionado.
Nesse momento, o que antes era um diálogo sobre estratégia e pessoas pode se transformar em uma discussão técnica, muitas vezes inacessível para os responsáveis pelos programas, beneficiários ou mesmo para a área contábil.
É como se o conceito erguesse um muro invisível: de um lado, a matemática; do outro, a aplicação prática, que nem sempre é dominada por quem precisa tomar decisões estratégicas.
Neste artigo, propomos uma abordagem inspirada no método Feynman de simplificação do complexo. O objetivo é desmistificar o cálculo do valor justo com base no modelo Black-Scholes, não por meio da fórmula, mas pela lógica que a sustenta. Ao compreender os conceitos-chave, é possível visualizar suas implicações e propor soluções mais assertivas e robustas.
Este conteúdo apresenta uma simplificação de um modelo matemático que rendeu o Prêmio Nobel de Economia a Fischer Black e Myron Scholes, mas que, paradoxalmente, também esteve envolvido em episódios de falência e crise global.
A história completa pode ser conferida no livro When Genius Failed. Portanto, é natural que esta explicação contenha omissões.
Um dos principais motivadores deste artigo são os mitos recorrentes que ouvimos ao tratar de programas de opções. Vamos desmistificá-los desde o início:
Realidade: O Fair Value é uma fotografia no tempo. Ele representa o preço estimado de uma opção na data de sua concessão, ou seja, o valor pelo qual esse contrato seria comercializado no mercado. No contexto de remuneração baseada em opções, esse valor é utilizado para definir o custo da concessão para a empresa, refletindo o quanto ela “gasta” para transferir o instrumento.
O ganho do beneficiário, por sua vez, dependerá do desempenho futuro das ações, que seguem um padrão randômico. Em outras palavras, ninguém sabe o valor futuro de uma ação.
Realidade: Essa afirmação é especialmente problemática, pois costuma ser apresentada como verdade absoluta, muitas vezes após consulta com especialistas. No entanto, trata-se de uma estimativa genérica que só se aplica a cenários específicos.
Opções com prazos curtos, concedidas em mercados com baixa volatilidade e juros reduzidos, podem seguir essa proporção. No Brasil, essa relação pode ser significativamente diferente. Aplicá-la sem considerar as variáveis locais é ignorar os fatores que mais influenciam o valor de uma opção.
Realidade: Depende. O modelo Black-Scholes foi desenvolvido para opções europeias, que só podem ser exercidas na data de vencimento. Embora seja uma ferramenta poderosa, suas premissas apresentam limitações.
Em um cenário de alta volatilidade e com taxa Selic elevada, como o brasileiro, o comportamento das opções muda especialmente no caso das opções americanas, que permitem o exercício a qualquer momento. Nesses casos, modelos alternativos, como o binomial, podem representar melhor a realidade, sobretudo quando há vencimentos longos ou gatilhos de valorização que liberam o exercício (preço mínimo de exercício).
Ao contratar um seguro automotivo, o cliente paga um prêmio à seguradora. Esse pagamento não garante um carro novo, mas sim um direito condicional. Em caso de sinistro, o segurado pode vender o veículo danificado à seguradora por um valor previamente estipulado, independentemente do valor de mercado. Se nada ocorrer até o vencimento do seguro, o valor pago não é devolvido, e o contrato perde sua validade.
Essa estrutura espelha perfeitamente o funcionamento de uma put option no mercado financeiro. O comprador paga um prêmio para adquirir o direito, mas não a obrigação, de vender um ativo a um preço fixo em uma data futura.
Já a call option (utilizada em programas de incentivo de longo prazo) confere o direito de compra sob as mesmas condições. Estruturar um programa com put options significaria incentivar a queda no valor das ações, o que contraria os objetivos estratégicos da empresa.
A característica central das opções é a assimetria entre risco e retorno. O detentor da opção possui um potencial de ganho significativo, enquanto sua perda máxima está limitada ao não exercício da opção, ou seja, seu prejuízo é zero.
Em contrapartida, a empresa que concede a opção assume uma obrigação cujo custo futuro pode ser teoricamente ilimitado, já que não há teto para o valor de uma ação.
Figura 1: representação da estrutura de uma opção curso de contabilização Pris
Essa transferência de risco entre empresa e beneficiário é o que justifica a existência do valor justo: ele representa o preço pago pela empresa para conceder esse direito, considerando os riscos envolvidos.
O modelo Black-Scholes não busca prever se a ação vai subir ou cair. Seu objetivo é calcular o preço justo para esse direito assimétrico. Em outras palavras, ele responde à pergunta: “Quanto custa transferir esse potencial de ganho ilimitado com risco limitado para o executivo, com base nas informações disponíveis hoje?”
A verdadeira revolução proposta por Fischer Black e Myron Scholes não está na fórmula, mas na lógica de construir uma carteira que elimina o risco da opção. Eles demonstraram que é possível criar um clone perfeito da opção, desde que algumas premissas sejam assumidas.
Imagine que a empresa queira se proteger integralmente do risco da opção concedida. O modelo mostra que ela pode montar uma “carteira-réplica” que imita o comportamento da opção, utilizando apenas dois elementos: uma quantidade específica da própria ação e um investimento (ou empréstimo) à taxa de juros livre de risco (no Brasil, a taxa DI).
Essa proteção, no entanto, não é estática. Para manter o clone perfeito, a empresa precisaria ajustar continuamente a quantidade de ações na carteira. Isso nos leva ao princípio da não arbitragem, a ideia de que, se uma carteira é livre de risco, ela deve render exatamente a taxa de juros livre de risco. Logo, o custo de montar e manter essa carteira é, por definição, o preço da opção.
O Fair Value, portanto, não é uma aposta, mas o custo presente e calculável de uma estratégia mecânica de neutralização de risco, considerando uma série de premissas.
Se a ação vale R$ 30 e o direito é de comprar por R$ 25, a opção já possui R$ 5 de valor intrínseco. Mesmo que a ação esteja a R$ 20 (fora do dinheiro), a opção ainda possui valor extrínseco, influenciado pelos demais fatores.
O tempo é um dos ativos mais valiosos. Quanto maior o prazo, maiores as chances de a ação se mover a favor do beneficiário. Por isso, uma opção com vencimento em 5 anos tende a ser mais valiosa do que uma com vencimento em 1 ano, mantendo os demais fatores constantes.
A volatilidade mede a intensidade das variações de preço, não sua direção. Para opções, ela é positiva devido à assimetria:
Quanto maior a volatilidade, maior o valor da opção. Inclusive, ações em queda acelerada podem gerar opções valiosas, justamente por apresentarem alta volatilidade.
Juros mais altos tendem a aumentar o valor de uma call option. Isso ocorre porque o beneficiário adia o desembolso do preço de exercício, podendo investir esse valor à taxa livre de risco. Quanto maior essa taxa, menor o valor presente do pagamento futuro, o que torna a opção mais valiosa.
Essa lógica parte da premissa de que o valor futuro da ação é uma distribuição de probabilidade em torno do valor presente ajustado pela taxa de juros e dividendos. Embora criticada por alguns especialistas, essa simplificação ajuda a explicar por que taxas de juros mais altas elevam o valor justo das opções.
Figura 2: representação da estrutura do valor justo pela equação de Black-Scholes
Compreender o valor justo de uma opção exige mais do que conhecer fórmulas, é necessário entender a lógica por trás dos modelos e os contextos em que são aplicados. Ao desmistificar os principais mitos e analogias, criamos uma base sólida para decisões mais estratégicas e alinhadas à realidade do mercado brasileiro.
No próximo artigo, abordaremos a parte prática: como aplicar esses conceitos na estruturação e contabilização de programas de opções, com exemplos reais e orientações técnicas.