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ESPP e Matching: diferenças, estratégia e aderência no Brasil

Escrito por Danilo Ferraz | Nov 4, 2025 8:52:07 PM

No universo dos Incentivos de Longo Prazo (ILP), a busca por mecanismos que alinhem os interesses dos colaboradores aos dos acionistas é constante. Entre as diversas ferramentas disponíveis, o Employee Stock Purchase Plan (ESPP) e os planos de Coinvestimento (matching) se destacam por um objetivo comum: facilitar a aquisição de ações da companhia por seus funcionários a um custo reduzido, ao mesmo tempo que exigem investimento próprio (o famoso skin in the game). 

Embora, do ponto de vista matemático, ambos possam replicar o mesmo efeito econômico, a compra de ações com desconto, suas arquiteturas conceituais, mecânicas operacionais e, principalmente, suas implicações jurídicas e psicológicas divergem de forma substancial.  

Compreender essa dinâmica ajuda a entender por que o modelo de Coinvestimento tem ganhado espaço no Brasil, enquanto o ESPP, amplamente difundido em mercados como o norte-americano, ainda enfrenta obstáculos significativos para sua implementação no contexto das companhias brasileiras.  

Essa prática é praticamente inexistente, exceto quando utilizada por multinacionais estrangeiras com operações locais ou em casos pontuais, como o plano criado pelo Banco do Brasil em 2010, no contexto de uma capitalização realizada no mercado. 

O Employee Stock Purchase Plan (ESPP): compra subsidiada para adesão em massa 

O ESPP é, em sua essência, o principal veículo para a democratização da propriedade acionária corporativa em mercados desenvolvidos, especialmente nos EUA e na Europa. Sua estrutura é desenhada para ser broad-based, ou seja, de base ampla, visando à inclusão da maior parte possível do quadro de colaboradores, com poucas restrições. 

Mecânica 

A operação de um ESPP segue um ciclo bem definido: 

  • Período de oferta (Offering Period): a empresa anuncia um período, que pode variar de seis a vinte e quatro meses, durante o qual os funcionários elegíveis podem se inscrever no plano. A adesão é voluntária. 
  • Deduções salariais (Payroll Deductions): uma vez inscritos, os funcionários autorizam a dedução de um percentual do salário (geralmente entre 1% e 15%) a cada folha de pagamento. Esses valores são acumulados em uma conta em nome do colaborador, administrada pela empresa ou por um agente fiduciário. 
  • Período de compra (Purchase Period): o período de oferta é frequentemente dividido em um ou mais períodos de compra, tipicamente de seis meses. Ao final de cada período, os fundos acumulados são utilizados para comprar ações da companhia. 
  • Preço de compra (Purchase Price): a aquisição das ações é realizada a um preço favorável, subsidiado pela empresa, constituindo o principal atrativo do plano. 

O poder do desconto, do lookback e da vantagem fiscal 

Três elementos tornam o ESPP financeiramente poderoso para o colaborador: 

  • Desconto (Discount): as ações são compradas com desconto sobre o valor de mercado. Em planos qualificados pela legislação norte-americana (Seção 423), esse desconto é tipicamente de 15%, o máximo permitido. 
  • Cláusula de lookback: permite aplicar o desconto sobre o menor valor da ação entre duas datas: o primeiro dia do período de oferta e o último dia do período de compra. Essa característica protege contra desvalorização e potencializa ganhos em cenários de valorização. 
  • Vantagem fiscal nos EUA: especificamente nos EUA existem os chamados “planos qualificados” (conforme a Seção 423 do IRS). Para estes planos, é possível tratar a maior parte do lucro obtido com a venda das ações como ganho de capital de longo prazo (long-term capital gain), que possui alíquotas muito mais baixas do que as alíquotas de imposto de renda ordinária (ordinary income), que seriam aplicáveis em modelos de remuneração convencionais.

Propósito estratégico 

Além de tornar o pacote de remuneração mais competitivo, favorecendo a retenção, o propósito fundamental do ESPP é fomentar o ownership mindset em toda a organização.  

Ao facilitar a aquisição de ações com benefício financeiro claro, as empresas buscam criar um alinhamento cultural e financeiro que permeie toda a estrutura. A alta prevalência do ESPP em grandes corporações americanas, quase 50% das empresas do S&P 500 e 57% das empresas de capital aberto em geral oferecem esse modelo, atesta sua consolidação como prática de mercado.  

Empresas como Microsoft, Tesla, Boeing, Apple e Airbus utilizam esse modelo para fortalecer a cultura organizacional e ampliar o comprometimento dos colaboradores. 

O coinvestimento (matching): investimento de capital como alinhamento de interesses 

O modelo de matching também resulta na aquisição de ações com benefício econômico, mas sua filosofia e mecânica diferem substancialmente do ESPP. Em vez de um desconto direto, o matching opera como uma parceria de capital entre colaborador e empresa. 

1- Investimento do colaborador: o programa exige que o colaborador realize um investimento inicial com capital próprio ou geralmente por meio do reinvestimento de parte do Bônus ou do Incentivo de Curto Prazo (ICP) recebido. 

Essa estrutura facilita a adesão ao plano, ao permitir que o colaborador utilize valores já disponibilizados pela empresa como forma de aporte, reforçando o alinhamento entre desempenho e participação acionária.  

Esse investimento pode ocorrer de duas formas principais: pela compra direta de ações da companhia no mercado ou por meio de um aporte financeiro direto à empresa.

2- Contrapartida da empresa (matching shares): com base no investimento realizado pelo colaborador, a empresa oferece uma contrapartida, outorgando um número adicional de ações.  
 
Essa contrapartida é definida por um múltiplo (matching ratio), como 1:1 (a empresa concede uma ação para cada ação comprada) ou 2:1 (duas ações para cada uma comprada), ou qualquer outra proporção desejada.  
 
É importante destacar que cabe a cada empresa estabelecer a proporção de matching mais adequada à sua realidade, de forma alinhada aos seus objetivos estratégicos, à cultura organizacional e ao nível de incentivo que deseja proporcionar. 
 
3- Condicionantes: as ações de contrapartida (matching shares) geralmente estão sujeitas a um período de carência (vesting), que exige que o colaborador permaneça na empresa por um determinado período (ex: três anos) para ter direito integral a elas.  
 
Adicionalmente, as ações compradas pelo próprio colaborador tipicamente estão sujeitas a um período de bloqueio (holding period), durante o qual não podem ser vendidas. 

Propósito estratégico 

Além de também colaborar com a retenção, a filosofia do matching é centrada no conceito de skin in the game. Ao exigir um desembolso de capital, o plano garante que o colaborador não seja apenas um beneficiário passivo, mas um investidor ativo, cujos interesses estão diretamente alinhados com os dos demais acionistas.  

O risco de perda de capital é real, tanto para o valor investido pelo funcionário quanto para o valor das ações de contrapartida, o que, em tese, aprofunda o alinhamento e a mentalidade de sócio.  

Esse comprometimento financeiro direto tende a reforçar o comprometimento do colaborador com suas decisões e ações no dia a dia, estimulando uma postura mais orientada à geração de valor e à sustentabilidade do negócio, o que consequentemente, também contribui para o seu próprio sucesso e valorização patrimonial. 

Equivalência matemática vs. Abismo conceitual e psicológico 

À primeira vista, os dois modelos podem ser estruturados para produzir resultados financeiros idênticos. Um ESPP que permite a compra de 100 ações com 50% de desconto resulta em um ganho imediato equivalente ao valor de 50 ações. Um plano de matching que oferece uma contrapartida de 1 ações para cada ação comprada (1 matching share para cada 1 ação comprada) geraria um benefício similar, ou seja, em ambos os modelos, o valor investido é dobrado em termos de ações recebidas. 

Contudo, essa equivalência matemática mascara um profundo abismo conceitual e psicológico que influencia a percepção de valor, o comportamento do colaborador e, crucialmente, a viabilidade legal de cada plano.  

A lente da economia comportamental é fundamental para compreender essa divergência. 

  •  Percepção de valor e barreira psicológica:
 o ESPP geralmente é percebido como um benefício de compra subsidiada, uma oportunidade de adquirir um ativo com um desconto, financiado de forma conveniente e de baixo atrito através do fluxo salarial.   

Sua mecânica de deduções automáticas e periódicas da folha de pagamento se assemelha ao conceito de Dollar-Cost Averaging (DCA), onde pequenos investimentos são feitos ao longo do tempo. 

Psicologicamente, isso reduz a barreira de entrada, transformando o investimento em um hábito de poupança similar a um plano de previdência privada. A decisão é tomada uma vez, e a inércia, aliada a um mecanismo de pré-comprometimento, trabalha a favor da participação contínua.  

O impacto de cada dedução no orçamento mensal é pequeno, o que diminui a percepção de "perda de liquidez" a cada desconto em folha. 

  • Implicações comportamentais e aversão à perda:
 em contrapartida, o matching é percebido como um bônus sobre o investimento e, tipicamente, exige uma decisão de investimento mais deliberada e de alto impacto. 

Frequentemente, o aporte de capital do colaborador está associado a uma janela única, muitas vezes coincidindo com o recebimento de bônus anuais.  Ao se deparar com a decisão de investir uma parcela significativa de seu bônus (uma liquidez já percebida como "sua"), o colaborador sente muito mais a “pele em jogo”. 

Conclusão 

Embora ESPP e matching possam gerar efeitos econômicos semelhantes, suas diferenças conceituais, psicológicas e jurídicas explicam por que o matching tem maior aderência no Brasil.  

No próximo artigo, discutiremos por que esses modelos são ou não utilizados no Brasil e no exterior, apresentando casos práticos e suas implicações estratégicas.