No universo dos Incentivos de Longo Prazo (ILP), a busca por mecanismos que alinhem os interesses dos colaboradores aos dos acionistas é constante. Entre as diversas ferramentas disponíveis, o Employee Stock Purchase Plan (ESPP) e os planos de Coinvestimento (matching) se destacam por um objetivo comum: facilitar a aquisição de ações da companhia por seus funcionários a um custo reduzido, ao mesmo tempo que exigem investimento próprio (o famoso skin in the game).
Embora, do ponto de vista matemático, ambos possam replicar o mesmo efeito econômico, a compra de ações com desconto, suas arquiteturas conceituais, mecânicas operacionais e, principalmente, suas implicações jurídicas e psicológicas divergem de forma substancial.
Compreender essa dinâmica ajuda a entender por que o modelo de Coinvestimento tem ganhado espaço no Brasil, enquanto o ESPP, amplamente difundido em mercados como o norte-americano, ainda enfrenta obstáculos significativos para sua implementação no contexto das companhias brasileiras.
Essa prática é praticamente inexistente, exceto quando utilizada por multinacionais estrangeiras com operações locais ou em casos pontuais, como o plano criado pelo Banco do Brasil em 2010, no contexto de uma capitalização realizada no mercado.
O ESPP é, em sua essência, o principal veículo para a democratização da propriedade acionária corporativa em mercados desenvolvidos, especialmente nos EUA e na Europa. Sua estrutura é desenhada para ser broad-based, ou seja, de base ampla, visando à inclusão da maior parte possível do quadro de colaboradores, com poucas restrições.
A operação de um ESPP segue um ciclo bem definido:
Três elementos tornam o ESPP financeiramente poderoso para o colaborador:
Além de tornar o pacote de remuneração mais competitivo, favorecendo a retenção, o propósito fundamental do ESPP é fomentar o ownership mindset em toda a organização.
Ao facilitar a aquisição de ações com benefício financeiro claro, as empresas buscam criar um alinhamento cultural e financeiro que permeie toda a estrutura. A alta prevalência do ESPP em grandes corporações americanas, quase 50% das empresas do S&P 500 e 57% das empresas de capital aberto em geral oferecem esse modelo, atesta sua consolidação como prática de mercado.
Empresas como Microsoft, Tesla, Boeing, Apple e Airbus utilizam esse modelo para fortalecer a cultura organizacional e ampliar o comprometimento dos colaboradores.
O modelo de matching também resulta na aquisição de ações com benefício econômico, mas sua filosofia e mecânica diferem substancialmente do ESPP. Em vez de um desconto direto, o matching opera como uma parceria de capital entre colaborador e empresa.
1- Investimento do colaborador: o programa exige que o colaborador realize um investimento inicial com capital próprio ou geralmente por meio do reinvestimento de parte do Bônus ou do Incentivo de Curto Prazo (ICP) recebido.
Essa estrutura facilita a adesão ao plano, ao permitir que o colaborador utilize valores já disponibilizados pela empresa como forma de aporte, reforçando o alinhamento entre desempenho e participação acionária.
Esse investimento pode ocorrer de duas formas principais: pela compra direta de ações da companhia no mercado ou por meio de um aporte financeiro direto à empresa.
2- Contrapartida da empresa (matching shares): com base no investimento realizado pelo colaborador, a empresa oferece uma contrapartida, outorgando um número adicional de ações.
Essa contrapartida é definida por um múltiplo (matching ratio), como 1:1 (a empresa concede uma ação para cada ação comprada) ou 2:1 (duas ações para cada uma comprada), ou qualquer outra proporção desejada.
É importante destacar que cabe a cada empresa estabelecer a proporção de matching mais adequada à sua realidade, de forma alinhada aos seus objetivos estratégicos, à cultura organizacional e ao nível de incentivo que deseja proporcionar.
3- Condicionantes: as ações de contrapartida (matching shares) geralmente estão sujeitas a um período de carência (vesting), que exige que o colaborador permaneça na empresa por um determinado período (ex: três anos) para ter direito integral a elas.
Adicionalmente, as ações compradas pelo próprio colaborador tipicamente estão sujeitas a um período de bloqueio (holding period), durante o qual não podem ser vendidas.
Além de também colaborar com a retenção, a filosofia do matching é centrada no conceito de skin in the game. Ao exigir um desembolso de capital, o plano garante que o colaborador não seja apenas um beneficiário passivo, mas um investidor ativo, cujos interesses estão diretamente alinhados com os dos demais acionistas.
O risco de perda de capital é real, tanto para o valor investido pelo funcionário quanto para o valor das ações de contrapartida, o que, em tese, aprofunda o alinhamento e a mentalidade de sócio.
Esse comprometimento financeiro direto tende a reforçar o comprometimento do colaborador com suas decisões e ações no dia a dia, estimulando uma postura mais orientada à geração de valor e à sustentabilidade do negócio, o que consequentemente, também contribui para o seu próprio sucesso e valorização patrimonial.
À primeira vista, os dois modelos podem ser estruturados para produzir resultados financeiros idênticos. Um ESPP que permite a compra de 100 ações com 50% de desconto resulta em um ganho imediato equivalente ao valor de 50 ações. Um plano de matching que oferece uma contrapartida de 1 ações para cada ação comprada (1 matching share para cada 1 ação comprada) geraria um benefício similar, ou seja, em ambos os modelos, o valor investido é dobrado em termos de ações recebidas.
Contudo, essa equivalência matemática mascara um profundo abismo conceitual e psicológico que influencia a percepção de valor, o comportamento do colaborador e, crucialmente, a viabilidade legal de cada plano.
A lente da economia comportamental é fundamental para compreender essa divergência.
Sua mecânica de deduções automáticas e periódicas da folha de pagamento se assemelha ao conceito de Dollar-Cost Averaging (DCA), onde pequenos investimentos são feitos ao longo do tempo.
Psicologicamente, isso reduz a barreira de entrada, transformando o investimento em um hábito de poupança similar a um plano de previdência privada. A decisão é tomada uma vez, e a inércia, aliada a um mecanismo de pré-comprometimento, trabalha a favor da participação contínua.
O impacto de cada dedução no orçamento mensal é pequeno, o que diminui a percepção de "perda de liquidez" a cada desconto em folha.
Frequentemente, o aporte de capital do colaborador está associado a uma janela única, muitas vezes coincidindo com o recebimento de bônus anuais. Ao se deparar com a decisão de investir uma parcela significativa de seu bônus (uma liquidez já percebida como "sua"), o colaborador sente muito mais a “pele em jogo”.
Embora ESPP e matching possam gerar efeitos econômicos semelhantes, suas diferenças conceituais, psicológicas e jurídicas explicam por que o matching tem maior aderência no Brasil.
No próximo artigo, discutiremos por que esses modelos são ou não utilizados no Brasil e no exterior, apresentando casos práticos e suas implicações estratégicas.