No desenho dos pacotes de remuneração executiva, em especial dos planos de Incentivos de Longo Prazo (ILP), é comum vermos as empresas mergulharem em discussões de modelos, regras de vesting e outras definições partindo de práticas de mercado, os famosos benchmarks.
No entanto, debater as ferramentas – Opções, Ações Restritas, Planos de Performance – sem antes definir com clareza qual o objetivo estratégico do ILP é o mesmo de comprar uma ferramenta sem antes saber exatamente para que será usada.
O erro mais fundamental que vemos nos planos de ILP é comprarem martelos para lidar com parafusos e grampos. Como evitar esse risco?
Objetivos comuns dos desenhos de ILP são a retenção e alinhamento de interesses com o acionista. Também tem sido comum o desejo de incorporar o conceito de “pelo em jogo” ou “skin in the game” nos planos.
Nas conversas que temos com diversas empresas, vemos que a confusão entre os conceitos de retenção, alinhamento de interesses e skin in the game pode acabar levando a empresa a investir milhões em programas que não incentivam os comportamentos desejados no corpo executivo.
Neste artigo, vamos explorar o conceito fundamental destes três objetivos básicos que um ILP pode ter, mostrando que a escolha da ferramenta, ou do conjunto de ferramentas, depende fundamentalmente da resposta à primeira pergunta que fazemos aos nossos clientes em um trabalho de desenho ou revisão de ILP: quais os objetivos deste novo plano de ILP?
O pilar da continuidade: retenção
É quase óbvio que, até pela sua natureza de “longo prazo”, planos de ILP recorrentemente visam garantir a permanência das principais lideranças e, em alguns casos, talentos-chave. Muitas empresas dizem que querem criar uma "algema de ouro" para estas pessoas.
O racional é de se criar um custo de oportunidade alto para a saída do executivo. A recompensa está atrelada primariamente ao tempo de permanência na função. Se este objetivo é muito relevante, o que é comum em mercados competitivos, é importante considerar o potencial pagamento do ILP tanto em cenários de mercado “positivos”, quanto em cenários desafiadores.
Por isso, não é incomum que componentes que visam este objetivo como prioritário deem uma segurança psicologia ao Executivo, para que ele pense que "se eu ficar, eu ganho."
Para atingir a este fim, alguns exemplos de ferramentas tendem a se sair bem. Em empresas listadas, por exemplo, as Ações Restritas (RSUs) constituem o mecanismo mais comum.
Outros programas, como Bônus Diferido ou Bônus de Retenção, além de Ações Fantasmas (Phantom Shares) também tendem podem ser desenhados para garantir algum pagamento mesmo em cenários desafiadores, proporcionando este efeito do “ficou, levou”.
O pilar da performance: alinhamento de interesses
Sofisticando um pouco mais a estratégia do ILP, é comum que acionistas digam que, não basta apenas que o executivo fique: é preciso que ele entregue resultados no médio longo prazo para que seja pago por isso.
Nesse caso, o racional apresentado ao executivo é de que: "Só há ganhos se a Cia performar; se não performar, não há ganhos."
Ou seja, o pagamento está vinculado a um bom desempenho da Companhia ou mesmo ao atingimento de metas. Neste pilar, a natureza do risco tende a ser diferente do pilar da retenção: o executivo não tem algo garantido, mas ele pode deixar de ganhar.
No limite do risco, no entanto, não há perda, apenas o “não ganho”.
No Brasil e no exterior, as principais ferramentas tendem a ser as Ações Restritas e as Stock Options, seguidas por bônus diferidos vinculados a metas (esses especialmente em empresas de capital fechado).
Olhando para referências de mercado, atualmente as Ações de Performance (PSUs) aparecem como ferramenta dominante para a alta liderança em diversos setores do mercado Americano.
Tipicamente, indicadores relacionados à performance das ações (TSR ou Total Shareholder Return), medidas de retorno sobre o capital (ROCE, ROE, ROA, etc) e medidas de resultado (EBITDA, Lucro Líquido) são as mais comuns. Há também uma tendência à incorporação de algum indicador ou uma cesta de indicadores relacionados a ESG para uma parcela menor do ILP.
As famosas Stock Options também têm espaço relevante, embora atualmente em menor uso. Elas são mais comuns em empresas com alto crescimento, onde a valorização da ação é o principal motor de valor. Na prática, seria um bom substituto a uma PSU vinculada ao TSR, já que em ambos os casos o objetivo é fazer com que a as ações se valorizem.
Especificamente no Brasil, há uma oportunidade interessante de se utilizar planos de Stock Options, em função de algumas decisões recentes tanto do STJ quanto do CARF, em que tem se reforçado o entendimento de que estes planos possuem natureza mercantil, o que dá grandes economias de impostos e encargos para os participantes e Companhias.
Nessa perspectiva de “não ganho”, mesmo cláusulas de Malus e Clawback, que tipicamente implicam que o executivo perde ou devolve uma remuneração que a empresa lhe concedeu, poderiam ser ferramentas adicionais de governança nesse sentido de alinhamento de interesses.
O compromisso máximo: skin in the game
Este é o nível mais profundo de alinhamento, transformando a mentalidade do executivo na de um verdadeiro dono ou sócio da Companhia. Como o autor Nassim Nicholas Taleb, autor de O Cisne Negro e Antifrágil popularizou, o verdadeiro skin in the game não é sobre o bônus que você pode ganhar, mas sobre a pele que você arrisca perder.
Nesse caso, a expectativa é que, além de pensar nos ganhos, o executivo também tenha em mente que: "se a empresa perder, eu perco o meu próprio dinheiro junto com ela."
Aqui, a lógica básica da remuneração pura é modificada. Na verdade, ela se expande, saindo de um cenário de busca por ganhos para um novo cenário que inclui a gestão de risco e proteção do capital no longo prazo. E isso é feito através da inclusão de uma consequência financeira real e negativa em caso de desempenho ruim.
Existem algumas ferramentas que podem ser úteis na inclusão deste efeito em maior ou menor grau. Por exemplo, existem os Planos de Coinvestimento (Matching), em que a pessoa investe recursos do seu capital próprio para adquirir ações e recebe contrapartida da empresa na forma de algum tipo de ILP.
As ações investidas ficam em lock-up, fazendo que a parcela investida gere esse skin in the game. Um exemplo conhecido deste modelo é "Programa de Sócios" do Itaú Unibanco. A instituição utiliza um modelo de coinvestimento em que o executivo aporta capital próprio para participar, com regras de lock-up que o forçam a manter o investimento por um longo período.
Há também programas, chamados de Partnership, que preveem que o executivo adquira ações da Companhia, e se torne sócio de fato do negócio. O desenho destes modelos pode variar bastante, mas tipicamente o ganho do executivo (agora sócio) não se dá pela possibilidade de valorização e venda das ações, mas sim dos dividendos que a pessoa recebe enquanto é sócia da instituição.
Por conta disso, é muito comum que o valor contábil (valor do Patrimônio Líquido) seja a métrica de valuation escolhida para a entrada e saída dos sócios. O exemplo mais emblemático no Brasil é o do BTG Pactual, onde o modelo de sociedade substitui um modelo de ILP clássico.
Outras formas de se gerar a pele em jogo (ou skin in the game) são as ferramentas de Share Ownership Guidelines (SOG) e o próprio Lockup das ações recebidas nos planos de ILP.
Em relação ao SOG, que consiste em regras de manutenção de um montante do patrimônio pessoal investido em ações da Companhia, temos visto a adoção por grandes corporações brasileiras como Vale, Suzano e Ambev.
Essas empresas, seguindo algo que já é bastante comum nos EUA (praticamente todas as empresas so índice S&P 100 possuem SOG), exigem formalmente que seus executivos acumulem e mantenham um múltiplo de seu salário em ações da companhia.
Já o Lockup é uma prática bem estabelecida no Brasil. É comum que parte das ações recebidas a partir de um ILP fique vinculado a um prazo de restrição de movimentação de 6 meses ou 1 ano para fazer com que as decisões tomadas pelos executivos tenham reflexos em seu próprio bolso no médio prazo.
Conclusão
Escolhas sobre o modelo de ILP, e sobre ferramentas de governança como SOG, são das decisões mais estratégicas que um Comitê de Remuneração, times de RH ou mesmo conselhos de administração podem tomar.
Entre outros aspectos, essas decisões moldam a cultura da Companhia, definem o apetite a risco e sinalizam ao mercado o nível de comprometimento da liderança.
A inicial a ser feita não é "qual tem sido a prática de mercado?", mas sim perguntas como “quais nossos objetivos com o ILP?”, e "qual mentalidade queremos construir em nossa liderança?". A partir dessa resposta, aí sim podemos entender melhor as ferramentas mais adequadas e explorar um pouco mais as práticas de mercado para aquele objetivo ou ferramenta.