A drástica diferença na adoção do ESPP entre os Estados Unidos e o Brasil não pode ser explicada por preferências culturais ou estratégias de mercado isoladas. A raiz da questão é institucional.
Utilizando a lente teórica de Daron Acemoglu e James Robinson em “Por Que as Nações Fracassam”, a prosperidade de mecanismos de mercado, como os planos de ações, depende da existência de instituições inclusivas, regras claras, previsíveis e que garantem os direitos de propriedade para uma ampla base da população.
Em contrapartida, instituições extrativas geram incerteza, aumentam os custos de transação e concentram oportunidades, inibindo a participação em massa. A ausência de planos ESPP no Brasil é um exemplo paradigmático dessa dinâmica.
Nos Estados Unidos, a robustez e popularidade do ESPP são diretamente sustentadas por uma instituição inclusiva por excelência: a Seção 423 do Internal Revenue Code (Código da Receita Federal). Esta legislação não apenas reconhece o ESPP, mas cria um porto seguro regulatório com regras claras e benefícios fiscais significativos para os planos que se qualificam (423-qualified plans).
As regras são precisas: o plano deve ser oferecido a praticamente todos os funcionários, o desconto não pode exceder 15% do valor de mercado, e um participante não pode comprar mais de US$ 25.000 em ações por ano civil.
Em troca do cumprimento dessas regras, a lei confere dois benefícios cruciais: o diferimento fiscal e a aplicação da alíquota de ganho de capital de longo prazo. O ganho econômico gerado pelo desconto não é considerado renda tributável no momento da compra da ação.
A tributação é adiada para o momento da venda futura e, dependendo do tempo de manutenção da ação, pode ser tratada como ganho de capital, sujeito a alíquotas mais favoráveis.
Essa clareza legislativa elimina a incerteza jurídica. As empresas sabem exatamente como estruturar seus planos, quais são seus custos e quais benefícios podem comunicar aos funcionários. O risco regulatório é minimizado, permitindo que o ESPP funcione como uma ferramenta eficiente de engajamento e ampliação da base de acionistas em larga escala.
O Brasil representa o cenário oposto. Não existe uma legislação específica que defina a natureza jurídica ou o tratamento tributário do ESPP ou de modelos similares. Esse vácuo regulatório cria uma instituição extrativa. A extração de valor não ocorre de forma direta, mas através da imposição de um custo proibitivo de insegurança jurídica.
Na ausência de uma Seção 423 brasileira, a análise de um plano de ações recai sobre a aplicação de normas gerais que não foram desenhadas para instrumentos de capital, principalmente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a legislação previdenciária. A lógica fundamental da legislação trabalhista é protetiva e tende a interpretar qualquer benefício financeiro concedido habitualmente pelo empregador como parte integrante do salário.
Essa incerteza gera um custo proibitivo. Diante do risco de que o desconto seja caracterizado como salário, levantando questões sobre qual base de cálculo utilizar para a tributação e como separar a parcela de investimento da parcela remuneratória, as empresas optam por caminhos mais seguros.
Elas recorrem a mecanismos de Matching, onde a separação dos ativos é clara, ou a planos de Ações Restritas (Restricted Stock Units - RSU), nos quais a natureza remuneratória é integralmente assumida. O resultado é um custo invisível: a quase total ausência de programas voltados a uma base ampla de colaboradores, que se tornam excessivamente caros e arriscados para serem oferecidos no Brasil, restringindo os programas de ILP muitas vezes à camada de executivos.
A Klabin, uma das maiores produtoras de papel e celulose do Brasil, implementou em 2022 um robusto programa de matching chamado "ILP para Todos", que abrange todos os seus colaboradores.
O plano permite que os participantes invistam uma parcela de sua remuneração variável de curto prazo na aquisição de units da companhia (units matching). Para cada unit matching adquirida, o colaborador tem o direito de receber uma unit adicional da empresa (unit Adicional) após um período de carência de três anos, desde que cumpridas as condições do plano.
Durante o período de carência, as units adicionais permanecem em propriedade da Klabin, mas o participante já tem direito aos dividendos e juros sobre o capital próprio relativos a elas. Para receber as units adicionais ao final do período, o colaborador deve permanecer na empresa e manter a titularidade das units matching que adquiriu.
Ao estender o benefício a todos os colaboradores, dos operadores de fábrica aos executivos, a Klabin promove uma cultura genuína de participação e pertencimento, fortalecendo o sentimento de dono em todas as camadas da organização.
Essa democratização do acesso ao capital da empresa não apenas amplia o engajamento, mas também estimula uma mentalidade de longo prazo, em que cada decisão individual carrega o potencial de impactar positivamente o negócio como um todo.
A Leroy Merlin, por meio de sua controladora ADEO, implantou em 2025 o programa global "ALL ADEO", que visa transformar todos os colaboradores em acionistas. O plano consiste na distribuição anual de ações gratuitas da ADEO. No Brasil, os 12,5 mil colaboradores com mais de três meses de vínculo receberam um valor equivalente em ações, que podem ser mantidas por três anos e, posteriormente, convertidas em um fundo de investimento com bônus.
Segundo a empresa, mais do que um mecanismo de recompensa, o ALL ADEO representa uma aposta estratégica na construção de uma cultura de partilha e confiança. Ao tornar todos os colaboradores acionistas, independentemente do cargo, função ou nível hierárquico, o programa rompe com modelos tradicionais de reconhecimento e reforça a ideia de que o progresso da empresa deve ser vivido e compartilhado por todos.
Um caso bastante interessante e particular de ILP com características análogas ao ESPP ocorreu no Banco do Brasil em 2010, em um processo de capitalização do banco. Neste programa, o BB destinou 10% da oferta pública prioritariamente aos funcionários do banco, com condições especiais para a aquisição das ações.
Naquele momento, os colaboradores puderam optar por receber 12% de adicionais de ações se fizessem a compra à vista (podendo, inclusive, usar recursos da venda de licenças-prêmio e folgas) ou ganhar 6,72% de ações adicionais caso optassem por um financiamento interno sem juros.
Segundo análises da época, este plano tinha dois objetivos-chave: trazer a mentalidade de dono e incentivar o aumento da participação acionária por parte dos funcionários com o objetivo de, futuramente, permitir que os funcionários indicassem um representante próprio para o Conselho de Administração via clube de investimentos.
O Banco do Brasil acabou sendo autuado pelo fisco, que entendeu que este era um plano remuneratório. No entanto, o CARF reverteu a decisão, afastando o caráter remuneratório. Segundo o CARF, houve o entendimento de que o plano possuía onerosidade (o empregado pagava), risco (reforçado pelo lock-up de 120 dias existente no plano) e não estava atrelado a metas de desempenho. Confira em nosso blog um artigo onde comentamos este caso.
O CARF também diferenciou este ESPP de um plano de Stock Options convencional, entendendo que ele estava inserido em uma oferta pública maior, cujo objetivo principal era a captação de recursos para o banco, e não a contraprestação pelo trabalho.
O Projeto de Lei nº 2.724/2022, conhecido como o marco legal das Stock Options, representa o esforço legislativo mais significativo para endereçar a insegurança jurídica sobre os ILPs no Brasil. Aprovado no Senado em 2023, aguarda tramitação na Câmara dos Deputados.
Conteúdo e status: o texto do PL foca em definir a natureza exclusivamente mercantil dos planos de opção de compra de ações, afastando a incidência de encargos trabalhistas e previdenciários, desde que cumpridos requisitos como onerosidade e vesting mínimo de 12 meses.
Impacto positivo: a aprovação deste marco trará uma segurança jurídica sem precedentes para os planos de Stock Options, com potencial para reduzir a litigiosidade e incentivar sua adoção.
Apesar de seu avanço, o escopo do PL 2724/2022 é limitado: ele regulamenta os planos de outorga de opção de compra de participação docietária.
Ao focar estritamente nas Stock Options, o marco legal, em sua forma atual, deixa outros modelos, especialmente os de base ampla, ainda expostos ao risco de reclassificação salarial. Para que o Brasil possa adotar o ESPP, seria necessária uma legislação complementar, uma Seção 423 brasileira, que definisse explicitamente o caráter não salarial do desconto.
A aprovação do marco legal, embora positiva, pode ter a consequência não intencional de aprofundar a divergência entre os tipos de planos. Ao criar um porto seguro apenas para as Stock Options, ele pode consolidar a concentração de incentivos de capital nos níveis executivos e adiar, mais uma vez, a criação de instituições verdadeiramente inclusivas para a base de colaboradores.
Além do caso do Banco do Brasil que foi julgado pelo CARF, houve recentemente um caso em que o CARF julgou planos de matching de ações de uma empresa como remuneratórios, ao passo que considerou o plano de Stock Options da mesma empresa como de caráter mercantil. Exploramos um pouco as decisões recentes do CARF e STJ neste outro material.
A análise sobre ESPP, matching e o marco legal das Stock Options evidencia que a adoção de mecanismos amplos de participação acionária no Brasil não é apenas uma questão técnica, mas institucional.
A ausência de regras claras e seguras limita a democratização do capital e concentra incentivos em níveis executivos, enquanto países com estruturas inclusivas avançam na criação de culturas de ownership em larga escala.
Para que o Brasil alcance esse patamar, será necessário evoluir além do escopo atual do marco legal, construindo um ambiente regulatório que viabilize modelos como ESPP e fortaleça práticas que compartilhem valor de forma ampla.
O momento é oportuno para repensar os Incentivos de Longo Prazo como instrumentos de inclusão, engajamento e geração sustentável de valor, transformando colaboradores em protagonistas do negócio.