Os planos de Incentivos de Longo Prazo (ILPs) tornaram-se ferramentas estratégicas para alinhar executivos à criação de valor sustentável nas empresas. No entanto, a ausência de um marco regulatório específico no Brasil gera insegurança jurídica e impactos financeiros significativos.
Foi esse o ponto central abordado por Daniel Eloi, sócio fundador da Pris, durante o painel Cenário legislativo e normativo em ILP no Pris Day 2025.
A insegurança normativa e suas consequências
Diferentemente da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), regulamentada pela Lei nº 10.101/2000, não existe no Brasil uma lei que defina claramente a natureza jurídica dos ILPs. Hoje, convivem interpretações divergentes:
- Receita Federal: tende a classificar ILPs como remuneração.
- Justiça do Trabalho: em decisões recentes, reconheceu o caráter mercantil em planos com voluntariedade, risco e onerosidade.
- STJ: em 2024, reconheceu o caráter mercantil de um plano de Stock Options para fins de IRPF, em decisão com efeito vinculante (embora ainda haja recurso da Procuradoria da Fazenda Nacional).
- CARF: admite hipóteses de natureza mercantil, mas em situações muito restritas, aguardando consolidação após a decisão do STJ.
Esse cenário instável amplia os riscos para as companhias, que precisam escolher entre: classificar seus planos como mercantis, assumindo risco de questionamento fiscal ou remuneratórios, elevando significativamente seus custos.
O peso financeiro da classificação
Daniel Eloi destacou a diferença prática dessa escolha:
No exemplo apresentado abaixo, considerando a outorga de 100 mil opções a um executivo:
O resultado é claro: o custo quase dobra para a companhia, enquanto o ganho do executivo cai em torno de 20%.
Essa disparidade reduz a atratividade do ILP como mecanismo de retenção, especialmente quando comparado a pacotes internacionais.
Como as empresas tratam o ILP hoje
Na prática, observa-se uma tendência:
- Planos de ILP que não envolvem Stock Options são majoritariamente classificados como remuneração.
- Stock Options convencionais, em alguns casos, ainda recebem tratamento mercantil, mas com cautela e constante acompanhamento das decisões judiciais
Esse ambiente de incerteza impacta diretamente a previsibilidade dos custos e a segurança para executivos que recebem o benefício.
O contraste internacional: Estados Unidos como referência
Nos Estados Unidos, a tributação dos ILPs varia conforme o instrumento utilizado. Há regras específicas para os diferentes tipos de planos:
Incentive Stock Options (ISO)
Legislação: IRC §422
Resumo: concedidas apenas a empregados, com tratamento fiscal preferencial. Se mantidas por mais de 2 anos após a concessão e 1 ano após o exercício, os ganhos são tributados como ganho de capital de longo prazo.
Tributação: apenas na venda das ações.
Non-qualified Stock Options (NSO)
Legislação: IRC §83
Resumo: opções mais flexíveis, oferecidas também a consultores e conselheiros. O ganho na diferença entre o preço de exercício e o valor de mercado é considerado renda ordinária.
Tributação: no exercício (compra da ação).
Restricted Stock Units (RSU)
Legislação: IRC §83
Resumo: direitos futuros de receber ações, sujeitos a vesting. O valor das ações é tributado como renda ordinária quando são entregues.
Tributação: no vesting (recebimento da ação).
Restricted Stock Awards (RSA)
Legislação: IRC §83 + Eleição 83(b)
Resumo: ações com restrições, já pertencentes ao colaborador. Pode-se optar por antecipar a tributação via eleição 83(b), pagando imposto com base no valor na outorga.
Tributação: regra geral, no vesting. Com eleição 83(b): na outorga.
Employee Stock Purchase Plans (ESPP)
Legislação: IRC §423
Resumo: permite compra de ações com desconto via dedução salarial. Se seguir as regras da seção 423, o plano oferece tratamento fiscal favorável.
Tributação: na venda das ações, apenas sobre o valor do desconto (se qualificado).
Essa segmentação garante previsibilidade: empresas sabem exatamente qual será o custo de cada estrutura, e executivos conhecem os impactos tributários antes mesmo da adesão.
O contraste com o Brasil é evidente: enquanto aqui a ausência de regras claras gera litígios, nos EUA a diversidade de normas favorece a ampla utilização do ILP.
O precedente da PLR: uma lição para o ILP
A experiência brasileira com a PLR mostra que segurança jurídica é determinante para o sucesso de modelos de remuneração variável. A Lei nº 10.101/2000 deixou claro que a PLR não tem natureza salarial, afastou encargos trabalhistas e incentivou sua adoção.
Resultado: a PLR se consolidou como prática corrente nas empresas, enquanto o ILP ainda é pouco explorado justamente pela ausência de regras equivalentes.
O caminho regulatório
O PL nº 2.724/2022, conhecido como Marco Legal das Stock Options, já foi aprovado no Senado e tramita na Câmara dos Deputados
Trata-se de um avanço importante, mas que não resolve todas as questões, já que o universo dos ILPs vai além das opções de ações.
Seguindo o exemplo norte-americano, será necessário desenvolver um conjunto de regras específicas para diferentes tipos de ILP, de forma a assegurar segurança
jurídica e ampliar a competitividade do Brasil no mercado global.
Conclusão
O Incentivo de Longo Prazo é uma ferramenta estratégica para alinhar interesses de executivos e acionistas. Contudo, no Brasil, a ausência de um marco regulatório claro compromete sua eficácia.
Como destacou Daniel Eloi no Pris Day 2025, a insegurança jurídica não apenas aumenta os custos para as empresas, como reduz o ganho líquido dos participantes, um cenário em que todos perdem.
Enquanto não avançamos para uma legislação madura e abrangente, como já ocorreu nos EUA e com a PLR no Brasil, o ILP continuará subutilizado.