O Total Shareholder Return (TSR) emergiu como uma métrica de destaque nos programas de incentivo de longo prazo (ILP), especialmente em empresas de capital aberto.
À medida que investidores e conselhos demandam maior alinhamento entre remuneração e criação de valor, o TSR passou a atuar como uma ponte entre as expectativas dos acionistas e os incentivos dos executivos.
Neste artigo abordamos a transição do uso de stock options para performance shares, o papel central do TSR, suas limitações e as recomendações de agências como ISS, Glass Lewis e Pay Governance.
Evolução: de Stock Options para Performance Shares
Nos anos 2000, os stock options eram dominantes. Em 2009, segundo levantamento da Pay Governance, 70% dos CEOs do S&P 500 recebiam stock options como forma de incentivo de longo prazo.
Já as performance-based awards (ações condicionadas a metas de desempenho) eram utilizadas por apenas 50% das empresas.
Com o tempo, essa lógica mudou drasticamente: em 2023, 96% das empresas adotam performance shares, e o peso dos stock options caiu para apenas 42%, conforme a tabela abaixo:
Fonte: https://corpgov.law.harvard.edu/2025/01/28/sp-500-ceo-compensation-trends/
Essa transição reflete uma mudança importante no mercado. Por um lado, as Stock Options são frequentemente criticadas por não alinharem completamente os interesses de acionistas e participantes, pois envolvem uma assimetria de ganhos.
O autor Nassim Taleb, que discute amplamente esse tema, critica os programas de Stock Options para empregados, argumentando que eles oferecem aos beneficiários (empregados ou executivos) a possibilidade de capturar ganhos em cenários positivos — inclusive inesperados — sem, no entanto, compartilharem os riscos negativos com os acionistas.
Taleb classifica essa situação como uma assimetria, em que o beneficiário pode obter lucros quando a ação se valoriza acima do preço de exercício (strike price), sem ter a mesma “pele em jogo” (skin in the game) que os acionistas, especialmente em cenários nos quais a opção está underwater — ou seja, quando o valor da ação é inferior ao preço de exercício.
Nesses casos, o beneficiário simplesmente não exerce a opção, enquanto o acionista vê seu ativo perder valor.
As Stock Options também são alvo de críticas por não conseguirem gerar efeitos de retenção eficazes em cenários de queda acentuada no valor das ações.
Nesses casos, quando as opções estão profundamente underwater, elas oferecem pouca ou nenhuma perspectiva de ganho para os participantes.
Embora alguns especialistas argumentem que esse contexto ainda promove certo alinhamento com os acionistas — dentro dos limites apontados por Taleb —, por outro lado, há o risco de que o componente de ILP (Incentivo de Longo Prazo) do pacote de remuneração se torne pouco atrativo, comprometendo seu papel como ferramenta de retenção.
Esse cenário contribuiu para o crescimento de outras estruturas de ILP, como as Ações Restritas (RSUs), as Performance Shares, as Phantom Shares e os planos de Matching (matching shares).
No Brasil, houve ainda toda a discussão em torno da natureza remuneratória ou mercantil das Stock Options, o que levou muitas empresas a evitarem esse tipo de estrutura, com o objetivo de reduzir riscos relacionados a passivos fiscais, previdenciários e trabalhistas.
Nesse movimento de revisão das Stock Options, algumas companhias passaram a buscar estruturas de ILP que estivessem diretamente vinculadas ao desempenho real da empresa — e, nesse contexto, os planos que utilizam o TSR (Total Shareholder Return) como indicador de performance ganharam protagonismo.
Limitações do uso do TSR em empresas de capital fechado
A aplicação do TSR como indicador de performance de ILP em empresas de capital fechado enfrenta sérias limitações. O principal obstáculo é a ausência de um preço de mercado publicamente conhecido e divulgado.
Como o cálculo do TSR depende fundamentalmente da variação no preço do ativo e dos dividendos distribuídos ao longo de um período, seria necessário recorrer a alguma forma indireta de precificação (valuation) da ação no início e no fim do período de referência para que o TSR pudesse ser apurado.
No entanto, as abordagens de estimativa indireta do valor econômico de uma empresa tendem a ser pouco precisas e baseadas em uma série de premissas subjetivas.
Métodos como fluxo de caixa descontado, múltiplos de empresas comparáveis, entre outros, não oferecem o mesmo nível de transparência e objetividade que se obtém ao utilizar o valor de uma ação negociada em bolsa no cálculo do TSR.
Por essa razão, esse tipo de indicador é pouco utilizado — e, por que não dizer, pouco recomendado — em empresas de capital fechado que não tenham perspectivas concretas de um evento de liquidez.
Uma exceção positiva que conhecemos ocorre quando um investidor aporta capital em uma companhia com base em um valuation pré-estabelecido e exige um TSR definido como condição para retorno, a ser medido em um evento futuro de liquidez.
Nesses casos, transações reais de investimento são utilizadas para calcular o TSR de forma clara e objetiva.
A influência das agências ISS e Glass Lewis
Agências como a ISS (Institutional Shareholder Services) e a Glass Lewis têm reforçado a importância do uso do TSR como referência em programas de incentivo de longo prazo, especialmente através dos seus documentos de proxy voting guidelines, que orientam votos em assembleias de acionistas.
Por exemplo, segundo o documento Brazil Proxy Voting Guidelines da ISS:
- O TSR deve ser medido em períodos de 1 a 3 anos;
- As metas devem ser claras, desafiadoras e vinculadas ao desempenho futuro;
- É fundamental avaliar o equilíbrio entre remuneração fixa e variável;
- TSR positivo no período recente é considerado um bom sinal de desempenho.
Já a Glass Lewis também valoriza o uso do TSR, mas destaca boas práticas adicionais em seus relatórios:
- Múltiplas métricas de performance, sendo ao menos uma relativa, como o TSR frente a pares.
Afinal, o que é o Total Shareholder Return (TSR)?
Agora que entendemos o contexto de utilização do TSR como proxy para Planos de Incentivos de Longo Prazo, vamos detalhar o que de fato é este indicador e como ele normalmente é usado em planos de ILP.
O Total Shareholder Return mede o retorno total entregue a um acionista em determinado período, considerando a valorização da ação e os dividendos pagos.
Ele busca capturar a experiência completa do investidor durante um recorte temporal (via de regra, durante o período de vesting).
A fórmula clássica do TSR é:
Onde:
P inicial: preço da ação no início do período;
P final: preço da ação no fim do período;
D: dividendos pagos no intervalo.
Métodos de cálculo do TSR: variações e aplicações
Embora a fórmula básica do TSR seja clara, ao se aprofundar na implementação, é possível identificar diferentes variações de cálculo, utilizadas para lidar com aspectos como a distribuição de dividendos e a alta volatilidade das ações.
Nesse contexto, é fundamental que as empresas — incluindo acionistas, conselhos e demais partes envolvidas — escolham a metodologia de cálculo mais adequada à sua realidade.
Mais do que isso, é essencial que toda a mecânica prevista para os cálculos esteja claramente descrita no regulamento do ILP e nos contratos de outorga.
Não é incomum encontrar empresas que estruturam planos de ILP baseados em TSR, mas que não especificam de forma transparente como o indicador será calculado. Isso tende a gerar discussões ou até conflitos quando o vesting se aproxima.
TSR absoluto vs. TSR relativo: entendendo a diferença
Uma das escolhas mais relevantes no desenho de programas de ILP é a definição sobre como o TSR vai ser apurado e aplicado no ILP. A primeira variável de decisão é sobre a adoção do TSR absoluto ou do TSR relativo.
Embora ambos possam ser realizados com a mesma fórmula de cálculo de TSR, cada um tem objetivos e efeitos distintos.
TSR absoluto
Uma empresa ou plano que adota a lógica de TSR absoluto busca avaliar o retorno nominal da ação, independentemente do comportamento do mercado, utilizando esse retorno como proxy para o pagamento do incentivo.
Por exemplo, se o gatilho de pagamento do ILP for um TSR de 10% ao ano e a empresa entregar 12%, o incentivo é liberado. Se entregar 8%, não há pagamento.
Nesse modelo, o foco está no desempenho específico das ações da empresa, sem considerar o cenário externo. Entre as vantagens, destaca-se o fato de ser um cálculo mais simples e direto.
Por outro lado, é possível que uma empresa apresente um TSR absoluto ruim devido a fatores externos ou macroeconômicos, que não estão sob responsabilidade da gestão.
Para lidar com esse tipo de situação, algumas organizações optam por incluir o TSR Relativo como condição de performance para parte ou para a totalidade do ILP.
TSR relativo
O uso do TSR relativo segue um racional diferente. Nesse modelo, o desempenho é avaliado em comparação ao de outras empresas ou a benchmarks de mercado, como IBrx50, Ibovespa ou S&P 500. O objetivo é medir se a empresa está performando melhor do que seus pares.
Essa abordagem busca neutralizar o impacto de fatores externos e de mercado, priorizando a avaliação do desempenho da gestão.
Empresas que adotam esse formato de cálculo precisam estar preparadas para cenários que, à primeira vista, podem parecer contraditórios. Por exemplo:
- A empresa pode apresentar TSR negativo, mas ainda assim premiar seus executivos, desde que tenha superado os concorrentes.
- A empresa pode alcançar um TSR absoluto elevado, mas, se ficar abaixo da média do mercado, os participantes do ILP podem não receber bônus.
Exemplo comparativo: TSR Absoluto vs. Relativo
Imagine um programa de ILP com duas métricas:
- 50% do bônus atrelado a um TSR absoluto de 10%;
- 50% do bônus atrelado ao TSR relativo contra um grupo de 10 empresas do setor.
Cenário 1: Mercado em alta
- TSR da empresa: +8%
- Média dos pares: +5%
Resultado:
- Não atinge a meta absoluta (não leva os 50% desse critério);
- Supera os pares (recebe 50% relativos).
Cenário 2: Mercado em baixa
- TSR da empresa: -5%
- Média dos pares: -10%
Resultado:
- Não atinge a meta absoluta (sem bônus nesse critério);
- Cai menos que o mercado, ou seja, relativamente melhor (recebe os 50% relativos).
Esse tipo de estrutura é amplamente utilizado para garantir que os executivos sejam recompensados quando conseguem gerar valor superior ao da concorrência, mesmo em contextos desafiadores.
Além de escolher entre TSR Absoluto ou Relativo, é fundamental que as empresas definam como o desempenho será convertido em pagamento.
No modelo de TSR absoluto, é comum estabelecer uma meta, um gatilho mínimo e um teto de desempenho, com pagamentos proporcionais. Por exemplo:
- 80% da meta = 50% do bônus
- 100% da meta = 100%
- 120% ou mais = 150%
Já no modelo relativo, costuma-se adotar um rankeamento entre empresas comparáveis ou índices de mercado. O bônus varia conforme a posição da empresa nesse ranking ou pela diferença de desempenho frente ao grupo.
Nesse caso, é essencial atenção ao modelo matemático, especialmente quando houver TSRs negativos, pois eles podem distorcer os resultados das comparações.
As principais críticas ao uso do TSR
Apesar de suas vantagens no sentido de alinhamento de interesse entre participantes e acionistas, o TSR tem limitações importantes. Duas críticas principais se destacam:
1- Premissas de cálculo pouco realistas
A depender da fórmula de cálculo utilizada, uma das premissas feitas é que todo dividendo distribuído é utilizado pelo acionista para recomprar mais ações daquele ativo - o que raramente ocorre, já que investidores costumam diversificar seus aportes.
Na mesma linha, é pouco realista simplesmente somar os valores dos dividendos distribuídos de forma absoluta no final do período, já que o investidor provavelmente reinvestiria aqueles valores recebidos em algum ativo (por exemplo, em ativos de renda fixa considerando um cenário de alta de juros).
Ou seja, o momento da distribuição do dividendo influencia diretamente o TSR obtido por um acionista.
2- Compensação por recompras de ações bem ou mal cronometradas
As recompras de ações podem impactar significativamente o TSR, tanto de forma positiva quanto negativa — e esse efeito é difícil de prever.
Se a empresa recompra ações a um preço baixo e, depois, essas ações se valorizam, o TSR pode ser inflado artificialmente, favorecendo os participantes do plano.
Por outro lado, se a recompra ocorre a um preço alto e a ação desvaloriza em seguida, o TSR pode ser duplamente penalizado: a empresa gastou mais do que o valor atual da ação, e isso reduz o retorno total percebido.
O principal problema, nesse caso, é que o TSR acaba refletindo decisões financeiras da tesouraria — como o timing da recompra — e não, necessariamente, a performance real da gestão ou da operação da empresa.
TSR: ponto final ou o começo de uma estratégia mais equilibrada?
O TSR é, sem dúvida, uma métrica relevante para avaliar a performance de empresas listadas sob a ótica do investidor.
Ele permite alinhar o valor pago em programas de ILP ao retorno efetivamente entregue aos acionistas, sendo reconhecido por conselhos, investidores e demais stakeholders como um importante termômetro de criação de valor.
No entanto, sua aplicação exige cautela. É fundamental definir com clareza a metodologia de cálculo e garantir total transparência na mecânica do plano.
Quando mal estruturado — ou utilizado como único critério —, o TSR pode gerar incentivos desalinhados, especialmente em contextos de alta volatilidade.
A melhor prática tem sido combinar o TSR (absoluto e relativo) com indicadores operacionais, como EBITDA, ROIC ou crescimento de receita, além de manter uma parcela do ILP desvinculada de métricas de desempenho, com foco em retenção de talentos.
Esse equilíbrio contribui para um modelo de remuneração mais robusto, estratégico e sustentável.