No primeiro artigo dessa série, abordamos os três pilares fundamentais de um Incentivo de Longo Prazo (ILP): retenção, alinhamento de interesses com os acionistas e skin in the game. Argumentamos que um erro recorrente no desenho de planos de ILP é a escolha da ferramenta antes da definição clara do objetivo — como utilizar um martelo para apertar um parafuso.
Nesta segunda parte, analisamos dois casos emblemáticos — Tesla e Figma — que ilustram como os objetivos de um ILP se manifestam na prática, revelando acertos e desafios relevantes sob a ótica da governança corporativa e da adaptação estratégica.
Caso 1: Tesla – O alinhamento com o acionista e o rito de governança
O plano de ILP de Elon Musk, aprovado em 2018, foi estruturado com foco exclusivo em performance extraordinária, refletindo o pilar de alinhamento de interesses. Como fundador e maior acionista individual da Tesla, Musk já possuía um envolvimento financeiro significativo, tornando desnecessários incentivos voltados à retenção ou à criação de “skin in the game”.
Entretanto, em 2024, o plano foi anulado por um tribunal de Delaware, que apontou falhas no processo de aprovação, especialmente quanto à independência do Conselho de Administração.
Em resposta, o Conselho da Tesla adotou duas medidas estratégicas: submeteu o mesmo plano à nova votação dos acionistas e propôs a mudança da sede da empresa de Delaware para o Texas, buscando um ambiente jurídico mais favorável à administração. Ambas as propostas foram aprovadas, mas levantaram preocupações sobre precedentes de governança e o equilíbrio entre poder acionário e supervisão institucional.
Em 2025, a Tesla apresentou um novo plano de ILP para Musk, com potencial de US$ 1 trilhão, condicionado à valorização da empresa para US$ 8,5 trilhões na próxima década. A proposta gerou críticas de investidores institucionais, que destacaram três pontos principais:
1- Parcialidade do Conselho: alegações de que o Conselho mantém laços estreitos com Musk e não exerce supervisão rigorosa.
2- Atenção dividida do CEO: ausência de exigência de dedicação exclusiva à Tesla, considerando os múltiplos papéis de Musk em outras empresas.
3- Valor excessivo: questionamentos sobre a necessidade de um incentivo adicional, dado o patrimônio já acumulado por Musk.
A Tesla, por sua vez, defende que o plano está totalmente alinhado à criação de valor para o acionista e que, se os resultados não forem entregues, Musk não receberá nada.
A lição de Tesla
O caso é um alerta importante porque, mesmo um plano de ILP com uma lógica de alinhamento que parece fazer sentido, o rito de governança é uma etapa fundamental e que pode ser desafiadora em alguns cenários.
Aliás, só saberemos se este plano foi realmente aprovado pelos acionistas em novembro de 2025 – acompanhemos as cenas dos próximos capítulos.
Abaixo um resumo de como os planos de 2018 e 2025 foram estruturados.
Caso 2: Figma – Adaptação estratégica em contextos de M&A e IPO
A trajetória recente da Figma oferece um exemplo sofisticado de como Incentivos de Longo Prazo (ILPs) podem ser utilizados como ferramentas táticas em momentos de transição estratégica. Durante o processo de aquisição pela Adobe, a empresa estruturou um pacote bilionário de Ações Restritas (RSUs), com foco claro no pilar de retenção.
A escolha da ferramenta — RSUs com vesting baseado em tempo — foi coerente com o objetivo central naquele momento: preservar o capital humano responsável por viabilizar a transação, tanto no período anterior quanto posterior ao M&A. Esse tipo de estrutura é comum em operações de liquidez, onde a continuidade da equipe é considerada um ativo essencial para o sucesso da integração.
Contudo, o plano também apresentava um componente secundário de alinhamento de interesses com os acionistas, uma vez que a liquidez dos ativos estava condicionada à concretização da transação. Isso criava um incentivo adicional para que os colaboradores contribuíssem ativamente para o sucesso do M&A.
Um aspecto relevante de governança foi a inclusão dos próprios fundadores no pacote de retenção. Embora já possuíssem participação acionária significativa o que normalmente garantiria o “skin in the game”.
A decisão refletiu uma exigência estratégica do comprador. Para a Adobe, garantir o comprometimento da liderança fundadora era uma condição precedente para a aquisição, visando assegurar a continuidade da cultura, da inovação e da execução pós-transação.
Nesse contexto, o ILP funcionou como uma ferramenta de gestão de risco transacional, semelhante às cláusulas de earn out frequentemente utilizadas em operações de M&A. Essa abordagem exige atenção especial à redação das cláusulas de troca de controle nos contratos de ILP.
Por um lado, é necessário proteger os interesses dos executivos, que podem não se sentir confortáveis em manter os prazos de vesting sob um novo controlador. Por outro, permitir a antecipação dos vestings pode gerar uma debandada de talentos, comprometendo a performance futura da empresa e até mesmo a viabilidade da transação.
Com a reviravolta na aquisição (que foi cancelada no final de 2023) a Figma enfrentou um novo desafio: a ausência de liquidez para os ativos prometidos no plano de retenção. A resposta estratégica veio com a decisão de abrir capital, culminando no IPO realizado em 2025.
Esse movimento exigiu uma reestruturação do modelo de ILP. A empresa substituiu o plano baseado em tempo por um novo programa vinculado à performance futura das ações (PSUs), refletindo a transição de uma empresa privada para uma companhia de capital aberto. O foco passou da retenção para o alinhamento de interesses com os acionistas, em linha com as expectativas do mercado público.
O caso da Figma demonstra com clareza que modelos de ILP não devem ser estáticos. Eles precisam ser desenhados com flexibilidade e capacidade de adaptação, acompanhando as mudanças estratégicas da organização. A empresa soube utilizar os incentivos como instrumentos de continuidade, engajamento e alinhamento em dois momentos críticos: uma tentativa de aquisição e uma abertura de capital.
Abaixo um resumo de como os planos de pré e pós IPO foram estruturados.
Conclusão: três perguntas estratégicas para conselhos e comitês de remuneração
A análise dos casos Tesla e Figma levanta três questões fundamentais para líderes, conselhos e comitês de remuneração:
1- Nosso processo de aprovação de ILPs está alinhado às melhores práticas de governança? O rito de aprovação está livre de conflitos e garante a independência necessária para decisões estratégicas?
2- Os planos são suficientemente flexíveis para se adaptar a mudanças estruturais relevantes? Em momentos de transformação, conseguimos ajustar os instrumentos com agilidade e coerência?
3-Estamos incentivando o comportamento certo com os instrumentos adequados? Os modelos de ILP estão alinhados aos objetivos reais da organização: retenção, alinhamento e engajamento de longo prazo?
Responder a essas perguntas com segurança é essencial para garantir que os modelos de ILP estejam estrategicamente posicionados, juridicamente sólidos e alinhados à criação de valor sustentável.
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